segunda-feira, 18 de maio de 2020




APOLO E DAFNE

 "Nos tempos que os deuses andavam sobre a Terra, que Ninfas brincavam pelas florestas, rios e mares, que Pan e seus sátiros dançavam ao som de sua flauta; gabava-se o deus Apolo diante de sua recente vitória contra a gigante serpente Píton, graças à sua exímia pontaria.
Tal deidade cantava com a própria lira seu feito e caiu na asneira de tripudiar sobre outro deus, que de pontaria, também não deixava nada a desejar..."
 Eros estava sob à sombra de uma macieira limpando suas setas, quando chega Apolo envaidecido e observa-o na sua absorta tarefa. Não podendo se controlar, achega-se ao deus do amor e fala-lhe com certo desdém:
— Por que estás a lidar com armas mortíferas, meu rapaz? Deixe esta tarefa para mãos mais dignas do que as vossas. Eros assusta-se. Estava por demais distraído para notar que Apolo havia se aproximado dele. Após recobrar-se da surpresa faz-lhe uma pergunta, no mesmo tom de deboche que o deus lhe dirigira:
— Acaso seriam mãos como as vossas, meu caro?!
— Por certo. Viste a vitória que com elas alcancei, com a grande serpente que estendia seu corpo peçonhento por toda planície?! Contenta-te com teus folguedos de juventude, meu jovem, mas não te atrevas a mexer com minhas armas, pois eu sou o deus da pontaria...
Eros o interrompe:
— E da poesia, da beleza, da medicina, profecia e blá, blá, blá... — Eros desandou a rir.
 Aquilo irrita deveras Apolo.
— Vil infame! Te atreves a rir de mim???
— Tu deverias ser o deus da comédia também — retruca o jovem na mesma hora.
— Ora seu...
— Ora seu, o quê? — Eros levanta a voz. — Apolo, tuas setas podem ferir e dar morte a todas as coisas, mas as minhas, podem ferir-te muito mais.
Assim dizendo, o deus do amor abre suas asas e alça voo aos céus. Planando sobre o outro, tira uma de suas flechas douradas da aljava às costas e a arruma em seu arco, disparando a seguir. Atinge Apolo, em cheio, no peito.
— O que fizeste comigo? — pergunta Apolo assustado.
Eros escuta umas risadas, vindas de um grupo de ninfas que brincavam às margens de um rio próximo.
— Em breve saberás — responde o deus alado cortando os céus em direção ao dito rio.
— Ei! Aonde vais? Volte aqui. Desfaças o que fizeste comigo, infame! Como te atreves a atingir-me desta maneira?
Imprudente, Apolo corre atrás do outro; fazendo exatamente o que Eros queria.
No rio estavam Dafne, filha do deus rio Peneu e suas amigas.
"Vejamos por quem irás se apaixonar, Apolo..."; pensa Eros sorrindo maliciosamente.
Apolo chega ao rio de sopetão e assusta as ninfas que lá estavam. As demais correram, mas Dafne custa a recuperar-se da surpresa e fica estática; sem ação. Nisso, os olhos de Apolo pousam sobre ela e ambos os olhares se cruzam. O verde oliva dos olhos da ninfa, arrebatam o coração do deus que, no mesmo instante, enche-se de paixão por ela.
Ao perceber isso, Eros pega outra seta às costas, diferente da outra; era escura e feita de chumbo e dispara contra Dafne. A ninfa foi tomada de grande aversão pelo homem que a olhava e vestindo-se depressa, desandou a correr pela relva em direção à floresta.
— Não! Espera! — implora Apolo vendo-a sumir de suas vistas.
Ele pensa em ir atrás, mas a risada de Eros chama sua atenção.
— Agora, Apolo, conhecerás o pior dos sofrimentos. Boa sorte com o seu amor... Hahahahaha!
Eros desaparece entre as nuvens.

Durante dias, Apolo procurou por Dafne, o amor em seu peito, o consumia como um cancro, provocando-lhe grande dor. Queria vê-la outra vez, mas não a encontrava em lugar algum.
Enquanto isso, Dafne não só pegou aversão pelo deus, como também pela ideia de um dia apaixonar-se por qualquer outro. Peneu, seu pai, não entendia o que estava acontecendo com ela. Queria que sua filha encontrasse um companheiro, tivesse filhos, contudo, toda vez que tocava nesse assunto com Dafne, ela se jogava aos seus pés e às lágrimas, implorava-lhe:
— Oh, meu pai, meu pai querido! Se amor me tens, concede-me esta graça: Faze com que eu não me case jamais!
Muito a contragosto e por amar demais sua filha, Peneu consente.

Durante esse tempo, Apolo arrastou suas correntes de penar por dias a fio. Sofria, chorava, lamentava-se por Dafne ter corrido dele e não tê-lo deixado falar nada com ela. Nem mesmo seu nome. Queria jurar-lhe amor eterno.
Que irônico! Ele que era o oráculo do mundo, previa o destino de vários mortais, não conseguira prever o seu próprio. Sua mente só vislumbrava o rosto da amada, com seus cabelos castanhos caindo molhados e desalinhados sobre os ombros. "Se são tão belos em desordem, como não o serão arranjados?", pensava apaixonado. Ao divagar em sua mente, o deus via seus olhos brilhantes como estrelas, sua boca perfeita, sua pele macia que desejava tanto tocar.
Voltava quase sempre ao mesmo lugar que encontrou-se com ela. Sabia agora de quem se tratava a dona do seu coração. Com essa preciosa informação, cogita até falar com Peneu e nesse dia, que encaminhava-se ao encontro do deus rio, vê Dafne; mas a bela, de pronto, corre outra vez.
— Não vá!!! — grita Apolo desesperado. — Por favor, Dafne, filha de Peneu! Conjuro-te! Ouve-me, ao menos, uma palavrinha!!!!
A bela ninfa não deu-lhe ouvidos. Apolo segue atrás dela, desta vez, não a perderia de vista. Não enquanto não lhe falasse dos seus sentimentos e pudesse unir-se a ela.
Aos tropeções e quedas, Dafne corre sem nem olhar para trás, enquanto o deus continua a gritar e implorar-lhe que parasse:
— Dafne! Por favor!!! Eu te amo! Me ouça, razão do meu penar! Deixe-me amá-la!
— Afasta-te de mim! Deixe-me em paz!!!! — implora a dama.
— Bela ninfa! — ele exclama. — Não sou teu inimigo! Não fujas de mim como a ovelha foge do lobo faminto, que a persegue para regalar-se com suas tenras carnes! É por amor que te persigo! Sofro de medo que, por minha culpa, te machuques ainda mais! Não sou um homem rude; Zeus é meu pai, sou o senhor de Delfos e conheço todas as coisas presentes e futuras! Sou Apolo, deus do canto e da lira, da pontaria, e minhas setas voam certeiras para o alvo. Também sou o deus da medicina, mas uma seta ainda mais fatal, acertou-me e amaldiçoou-me e não há nenhum bálsamo poderoso contra o seu veneno, apenas o teu amor poderá curar-me!
— Às favas, ó pertinente! Não me importa quem sejas! Eu não te amo, não quero amar!!!!!
Na perseguição insistente, as curtas pernas de Dafne começam a cansar e as fortes pernas de Apolo, logo superam a distância que os afastava.
Ao virar-se pela primeira vez para trás, a ninfa vê que o deus está cada vez mais perto.
— Oh, não!!! Não!!! Pai meu!!! Ajuda-me, Peneu!!!!! Imploro-vos a graça que a ti vos pedi!!!! Abre a terra para envolver-me, ou muda minha forma, que me são tão fatais!!!
Mal pronunciara essas palavras, um torpor toma seu corpo; seus pés fincam raízes no solo; seus braços bem torneados e belos, transformam-se em galhos e sua pele, torna-se rígida, rugosa e áspera. Cego de tanta paixão, Apolo a abraça e não percebendo a metamorfose, começa a beijá-la e então, sente a casca fria.
Ele para horrorizado e cai por terra. — Não! Não! Não! — grita revoltado. — Quando enfim serias minha, pego-me abraçado a uma árvore!!!!
Dafne havia se transformado num loureiro e para maior sofrimento do deus, a árvore ainda mantinha na aparência do seu tronco, as formas perfeitas de sua amada.
Apolo soca o chão até sangrar sua mão.
— Maldito Eros!!! Maldito! Maldito! Maldito!!!!
Ele abraça o loureiro uma última vez e as lágrimas caem abundantes de seus olhos. Mais calmo, o deus, ainda assim, faz suas juras de amor e proféticas ao mesmo tempo:
— Já que não podes ser minha esposa — fala o deus enxugando o rosto. — Serás a minha planta preferida, usarei suas folhas como coroa. Com elas, enfeitarei minha lira e minha aljava e quando os grandes imperadores sentarem em seus tronos e também à frente de seus cortejos triunfais, serás usada a cingir-lhes a cabeça. E, tão eternamente jovem quanto eu próprio, suas folhas serão sempre verdes e belas. Juro-te, meu amor...
Uma risada, que Apolo conhecia bem, corta-lhe as palavras:
— Então Apolo? Viu a que ponto chegaste com tua vaidade, com tua impáfia?! Ajoelhado pateticamente diante de uma árvore.
— Ah, Eros, Eros! Eu vos amaldiçoo: um dia provarás do teu próprio veneno.
O deus alado soltou outra gargalhada sonora.
— Ah, mas que medo! Isto é uma profecia?!
— Aguarde e verás.
— Impossível! Não sou tão incauto. Jamais me firo com minhas próprias flechas. Deixo-vos carpindo vossa dor; adeus.
Eros agita as asas e ganha os céus outra vez.
Apolo ainda permaneceu ajoelhado diante de Dafne, aos prantos; até que, por fim, após secar sua fonte de tantos dissabores, retomou o seu caminho para Delfos; mas guardou, dentro do seu coração a imagem do seu primeiro amor: a bela Ninfa Dafne.


FIM

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