quinta-feira, 9 de julho de 2020

Eros e Psique - Cap II





A ardência na face atingida pela bofetada que a mãe lhe dera, ainda latejava; as marcas dos dedos de Afrodite marcavam seu rosto. Eros mantinha os olhos presos ao chão, enquanto a deusa esbravejava com fúria:
— COMO TE ATREVES, FILHO MEU? COMO PUDESTE SER TÃO IMPRUDENTE E APAIXONAR-TE JUSTO PELA MINHA RIVAL???
Eros, enfim, cria coragem e com olhos lamentosos, responde-lhe:
— Foi uma desventura, minha mãe e reconheço que provei do meu próprio veneno. Mas tenha piedade, bondosa Afrodite. Permita-me desfazer a maldição imposta sobre ela.
— Não — a deusa retruca-lhe taxativa. — Que ela sofra pela beleza que possui. Não conseguiste fazer com que ela se apaixonasse pelo roedor, mas graças às águas da Desventura, nenhum homem será capaz de amá-la e se tentar, a minha ira cairá sobre ele. Não poderia haver uma vingança melhor do que esta, poderia?! — fala a deidade com imensa satisfação. — Ela ficará só para o resto da vida; jamais conhecerá o amor.
Regozijava-se a deusa quando, para sua surpresa, o filho joga-se aos seus pés numa súplica desesperada:
— Então, pelo menos, permitas que eu a despose!
Afrodite levanta-se de salto. Não esperava tamanha audácia:
— ISSO NUNCA!!!!! TU ÉS UM DEUS E DEUSES NÃO SE CASAM COM MORTAIS!
— Pois muitos deuses se envolveram com mortais, inclusive a senhora… — retruca o rapaz de pronto.
— Mas não os desposamos, nos divertimos com eles — corta-lhe de modo ácido. — É bem diferente do teu intento. Transformar uma infame mortal na esposa de um deus é uma atitude, no mínimo, insensata!
— Não te importas que eu, teu filho, sofra de amor?!
— Quem mandou ser tão descuidado? Sofra! Pois minha permissão e benção sobre estas núpcias, não as tereis. JAMAIS!!!
— Minha mãe… por favor…
— Saia Eros; e não me apareças tão cedo.
A deusa senta-se na sua penteadeira de mármore e tomando sua escova em mãos, entretém-se a arranjar seus sedosos cabelos, enquanto solta um sorriso cínico e enviesado, vendo o filho afastar-se cabisbaixo.
Fora do santuário, Eros — inconformado com sua sorte — olha uma última vez para a porta que fecha-se atrás de si.
— Se não quiseres abençoar-nos, pouco importa minha mãe. Eu vou desfazer a maldição e hei de casar-me com ela, com ou sem o teu consentimento — encerra o deus do amor em tom desafiador; uma guerra de forças estava por vir.

****

“Os dias se passaram e Orítia e Eugeria, suas irmãs mais velhas, arrumaram ótimos pretendentes e se casaram. Já Psique, mesmo com toda beleza que possuía, não conseguia arrumar nenhum noivo e os homens que antes propuseram-lhe casamento — sob o jugo da terrível vingança de Afrodite — morreram todos de forma trágica. Logo, a donzela foi dada como amaldiçoada e ninguém mais aventurou-se em pedir-lhe a mão.
 A partir de então, a donzela enclausurou-se em seu quarto, tomada de tristeza e uma grande solidão; não mais se alimentava, não sabia mais o que era ter uma repousante noite de sono e o sorriso belo e jovial, que encantou a tantos mortais um dia, apagara-se de seu rosto.
Os pais não entendiam o porquê daquele destino tão torpe…”

****

Certo dia, numa noite de procela inclemente, com raios de Zeus cortando os céus, Eros disfarça-se como um velho pedinte e bate às portas do palácio dos reis em Mileto a procura de abrigo.
Piedosos como eram, recebem o ancião e desabafam sobre a sina da filha mais jovem. Foram então aconselhados por ele, a buscar o oráculo de Delfos e saber alguma resposta sobre o caso. Lá, as sacerdotisas de Apolo foram implacáveis, ao ditarem a sorte da jovem:

— O ORÁCULO DE DELFOS DIZ: A virgem não se destina a ser esposa de um homem mortal. Seu futuro marido a espera no alto da Montanha dos ventos. É um monstro horrendo e cruel, a quem nem os deuses nem os homens podem resistir.
— O QUÊ? — grita o rei.
A mãe a abraça assustada e começa a chorar.
— Esta é a vontade dos deuses — afirma friamente a pitonisa.
Psique também não consegue acreditar. Seu pai, inconformado, cai por terra e soca o peito de desgosto.
— Deuses! Em que momento nós vos ofendemos ao ponto de despertar tamanha ira? — pergunta o rei amargurado, como se um punhal tivesse atravessado seu coração.
Psique sente uma pena imensa dos pais, tenta confortá-los e devolver-lhes a paz:
— Por que me lamentais, queridos pais? Deveria antes ter sofrido, quando todos me aclamavam e chamavam-me “Afrodite Encarnada”. Percebo agora, que sou vítima deste nome. Resigno-me e aceito o meu destino. Levem-me imediatamente a tal Montanha dos ventos, onde meu futuro esposo me espera.
E assim, voltaram ao reino e prepararam o cortejo da desafortunada noiva, que mais parecia um cortejo fúnebre do que um cortejo festivo. Todos os súditos lamentaram a sorte da bela princesa. Psique tentava passar uma imagem de fortaleza. Entretanto, após despedir-se de seus pais e de todos, vendo-se sozinha no alto do monte, ajoelha-se e levando as mãos ao rosto, chora amargurada.

****

— POR QUE FIZESTE ISTO, MINHA MÃE? — irrompe Eros enfurecido, assim que chega no santuário. — COMO PUDESTE MANIPULAR O ORÁCULO ASSIM?
Afrodite estava sentada em seu trono, e afagando despreocupada as plumas de uma de suas pombas preferidas, responde-lhe:
— Tive uma pequena ajuda. Pelo que percebi, Apolo é um antigo desafeto teu...
"Ah, Apolo maldito…", pensa o deus no mesmo instante. Sua mãe continua:
— Pensavas em trair-me, não é Eros?! Querias passar por cima da vontade de tua mãe. Logo eu, a deusa do amor, que nada a respeito me é oculto. Aproveito o ensejo e faço-vos um desafio, já que acreditais ser mais esperto do que eu: se conseguires conquistá-la e ganhar-lhe a confiança, embora Psique acredite estar casada com um monstro — e tudo exijo que faças para que ela creia nisto — prometo abençoar vossas núpcias. Agora… se em algum momento, Psique duvidar de ti e do teu amor e sentir medo, eu vos separarei para sempre.
— Ela vai me amar, mesmo acreditando que eu seja um monstro — afirma altivo.
— Pois bem. — Afrodite levanta-se e colocando a pomba branca sobre um dos ombros, vira-se para o filho e acrescenta: — Está feito. Jure que irás separar-se dela se eu vencer. Prometa.
— Eu prometo. Mas eu vou vencer — aceita o deus de modo impensado.
— Veremos — desafia sua mãe.

****

Na Montanha dos Ventos, a bela Psique ainda estava a amargar sua sorte. Queria parar de chorar, mas o medo do futuro ainda a assustava. Decidida a fugir de sua sina, ela se aproxima do precipício e tenciona jogar-se breu abaixo, naquela escuridão que parecia sem fim; como o coração dela também estava.
Quando isto passa por sua mente, uma brisa suave afaga seus fios negro-azulados e uma voz suave, interrompe seu pranto:
— Não façais nada do que possas arrepender-vos depois, bela Psique.
— Quem és tu? Meu marido? — assusta-se a virgem.
— Não, minha cara. Sou apenas um amigo que veio ajudar-vos a pedido do vosso suposto esposo. Sou Zéfiro. Acredite-me; brinquei muito com vossos cabelos quando ainda menina, divertia-se com tuas irmãs nos jardins do palácio — lembra-lhe o deus.
— O Vento-Oeste?
— Eu mesmo. Por que choras, doce donzela?
— Porque o meu coração está afogado em tristeza. Não sei como será quando…
O deus a interrompe:
— Encontrares vosso marido? — e Zéfiro complementa: — Pois vos digo; não temais. Confiai em vosso coração e mui venturosa serás. Venha, bondosa menina, vou levar-vos ao futuro lar e para os braços daquele que vos espera.
Zéfiro sopra sobre os olhos em tom mel da moça e a faz dormir. Depois, leva-a suavemente até uma clareira florida. Pousa-a sobre a grama macia e nesse ínterim, Psique desperta e vendo-se rodeada de um belo bosque — cujas copas das árvores pareciam arranhar o céu —, ouve o murmurar de água corrente. Sentindo a garganta seca, segue aquele som acompanhada de perto por Zéfiro; logo uma fonte de águas cristalinas surge diante de seus olhos e atrás desta, vislumbra diante de si, um imenso palácio todo feito de ouro, marfim e pedras preciosas, semelhante a um templo.
A bela fica extasiada diante de tanta riqueza. As colunas de ouro reluziam à luz do sol e as pedrarias pareciam estrelas caídas do céu que, para descansarem, se fixaram em torno delas.
— Este é vosso lar agora — explica-lhe Zéfiro. — Adeus, bela dama, e seja feliz — despede-se o deus, fazendo agitar-se as folhas das árvores e o tapete gramado sob seus pés.
Psique aproxima-se cautelosa do templo e tenta abrir a porta, contudo, antes de tocá-la, esta se abre lentamente como se alguém já esperasse por ela.



Ah! Os porquês!!!!




Ah, fase "deliciosa" — SQN—, que os filhos estão descobrindo o mundo; a mente cheia de curiosidades. Quem é mãe ou pai, já passou por isso uma vez na vida.
Para uns é aos quatro/cinco anos — minha filha está atrasada nesse ponto, nos seus tenros 8 aninhos que começou a "querida" fase — , achei até que seria a única mãe que não passaria pelo temido desafio:

— Mãe, por que o mar é azul?
— Porque ele reflete a cor do céu, querida — respondo com a maior paciência.
Aí, vem os disparos curiosos da metralhadora:
— Por quê?
— Porque as águas do mar são como um espelho gigante. — A paciência começa a esvair-se.
— Por quê?
— Porque as águas refletem as coisas, você não vê seu rosto refletido numa bacia com água? — E a paciência vai se esgotando mais.
— Sim, mas... Por quê?
— Porque, porque...
Começa a busca desesperada por uma resposta que satisfaça a criança de vez.
Nessa hora o corpo todo já entra em ebulição, o magma começa a ferver.
— Porque Deus criou assim e pronto!
Aí, vem:
— Por quê?
Pronto! A última gota de lava que faltava ferver, para o vulcão explodir de vez.
— Porque sim e chega!
— Por quê?
Então, eu sento no chão e choro e ela...
— Mamãe, tá chorando por quê?

Fim




terça-feira, 23 de junho de 2020



“Há muito, muito tempo, na Era de Ouro dos Deuses, existia um estimado rei que tinha três filhas. A beleza das duas primeiras era incontestável, mas a beleza da mais moça era algo sobrenatural e impossível descrever, mesmo nas palavras de um conceituado poeta. A formosura dela só poderia ser comparada à de Afrodite, deusa do amor e da beleza, o que levou homens insanos a conclamarem e cantarem loas em sua honra e até chamarem-na de Afrodite encarnada e a ela prestarem culto e sacrifícios.
Aquela fama rendida à jovem trouxe-lhe consequências, pois notando Afrodite que seu culto estava esquecido e seus altares vazios, voltou para a pobre moça a sua cólera…”


Eros e Psique-Cap I


A deusa mal podia acreditar no que seus olhos imortais contemplavam, diante do que seu espelho mágico mostrava-lhe. 
— Ò, infâmia! Descrentes e blasfemos!!! Como ousam comparar-me a essa reles mortal, chamando-lhe pelo meu nome? Ah, minha cara! Hei de dar-te uma lição que amaldiçoarás o dia do teu nascimento e as odes e preces que a ti fazem agora.
Afrodite se levanta do seu trono e caminha firme até a porta do templo de onde eleva a sua voz e, atiçando a bela e vasta cabeleira dourada ao vento, invoca o nome do seu filho:

— EROS!!!!! Eu te invoco… VENHA ATÉ MIM AGORA!!!!!!!!

Eros estava a brincar com seu amigo Zéfiro, um dos deuses dos ventos, conhecido como o suave Vento-Oeste. De repente ele para e estremece, assustando o seu amigo que na mesma hora cessa os risos e indaga: 
— O que foi Eros?
— Minha mãe me chama.
— Pelos deuses! Se Afrodite chama é melhor ires logo.Vossa bela mãe não é muito paciente.
— Nossa brincadeira ficará para depois, velho amigo. 
Eros estremece a segunda vez.
— Pelo jeito é urgente — comenta com Zéfiro rindo e em seguida, abre suas longas e brancas asas; agitando-as, se eleva aos céus. 

****

Afrodite andava de lá para cá, esfregando as suas mãos em total tensão, quando Eros chega ao santuário.
— Aqui estou, minha mãe. Por que me invocaste?
— Por que demoraste tanto?
— Eu não demorei, vim assim que eu pude. A senhora que está deveras impaciente. O que se passa?
— O que se passa?! Siga-me.
A deusa o conduz até seu espelho, onde a imagem da bela Psique se mostrava.
— Ouve meu filho, vede bem a donzela que vos mostro e os louvores que por ela entoam. Devo eu ser eclipsada em minhas honras por uma jovem mortal? Foi em vão que Páris, aquele pastor, concedeu-me a palma da beleza sobre minhas rivais, Atena e Hera, e cujo julgamento foi aprovado pelo próprio Zeus?
— Não minha mãe — concorda o rapaz.
— Então, castiga meu filho, esta aviltante beleza. Assegura à tua mãe uma vingança tão doce quanto amargas foram as injúrias recebidas. Infunde no coração desta audaciosa virgem uma paixão por algum ser baixo, indigno, de forma que ela possa colher uma pena devastadora quanto os louvores que recebe agora.
— Está bem. Assim o farei.
Eros ganha os céus outra vez e voa na direção de duas fontes nos jardins de Afrodite, chamadas Fonte da Alegria e Fonte da Desventura. Uma possui uma água doce como o mel de cor dourada e brilhante e a outra, amarga como fel, de um tom tão escuro quanto o chumbo. Pega um pequeno jarro de âmbar e enche-o com as águas da Desventura.
Feito isso, arma-se com sua aljava e setas, guarda o frasco muito bem e parte para cumprir a missão dada.

****

Alheia e nos belos mundos de Morfeu, Psique dormia despreocupada. Parecia uma ninfa cálida e meiga sobre o lençol de linho branco, que ressaltava-lhe ainda mais a sua tez morena e sua beleza incomensurável.
Eros entra pela sacada dos aposentos e contempla-lhe a dormir tão serena, que chegou a sentir piedade da jovem pelo que iria fazer. Mas ordens maternas não deveriam ser contestadas e precisava cumprir a missão que fora-lhe confiada.
No caminho, capturou um pequeno rato do campo. O roedor agitava-se dentro do seu cativeiro: uma pequena sacola de couro presa ao cinturão do deus.
Retira-a com cuidado e a coloca sobre um móvel do quarto. Iria deixar o pequenino animal naquele lugar estratégico de modo que, percebendo o ser agitando-se no interior da bolsa, ao abri-la, fosse a primeira coisa que Psique visse quando despertasse e, sob a influência da flecha do amor, ao bater os olhos nele, pelo ratinho ela se apaixonaria de imediato.
O deus pega então o jarro que continha o líquido de cor escura e pinga umas pequenas gotas sobre os lábios róseos da adormecida, balbuciando palavras quase inaudíveis:
— Gotas de amargura e desgosto… lábios até então, doces como o mel, tornem-se verdadeiro fel. E agora, o toque final… — ao arrumar suas flechas na aljava, na pressa de atender o desejo de sua mãe, Eros deixou uma delas com a ponta para cima. Para seu infortúnio, fere-se com o objeto pontiagudo. — Ai! MINHA MÃO!!! Oh, não... 
Com o grito, Psique desperta. O deus do amor, assustado, esconde-se aos olhos da virgem que procura em vão pelo quarto escuro.
— Quem está aí? Alguém?!! 
Psique ouve algo mexer-se sobre o dito móvel e constata que há uma sacola sobre ele e dentro, algo guinchando incomodado. Ela se surpreende ao abrir e ver o pequeno ratinho. 
— Oh, pobrezinho! Quem fez essa maldade convosco, meu amiguinho? Decerto, uma das minhas irmãs querendo assustar-me.
Enquanto isso, no seu esconderijo, Eros lutava contra a curiosidade de olhá-la. “Não posso olhar para ela. Não posso olhar…”. 
Porém, foi inevitável. Ele não consegue conter-se muito tempo e olha para a donzela que agora havia libertado o roedor e dirigia-lhe palavras carinhosas, soltando-o no muro da sacada:
— Pronto amiguinho. Estás livre agora. Voltes para o campo que é o teu lugar.
O coração do deus dá um salto no peito. Parecia ter parado por uns instantes, até retomar os batimentos num ritmo mais acelerado, caindo de amores pela bela mortal, no mesmo instante que a olha. 
“ Ah, não! Que fiz eu? Isso nunca poderia ter acontecido comigo. Que infortúnio, oh, deuses! Apolo; tua profecia se cumpriu! Ai, de mim!!!! — pensa desesperado. — Fui vítima do meu próprio sortilégio!”
Achando que havia sonhado com aquele grito misterioso, Psique volta ao leito e aconchega-se para dormir de novo, enquanto um deus apaixonado suspirava de desejo por ela e agora, só tinha um pensamento em mente: desfazer o mal que lhe fizera.



quarta-feira, 20 de maio de 2020

O Menino e a Árvore
Maurício era um menino muito levado. “Mas antes levado do que malcriado”... sua mãe sempre dizia.
Ele morava em São Cristóvão, lá pros anos 40, na época que bombaram as primeiras histórias em quadrinhos. Seu herói preferido?! Dá até para adivinhar, porque certa vez pegou uma velha toalha de mesa da mãe e, amarrando-a em seu pescoço, subiu numa árvore do quintal e, intrépido — como todas as crianças são, se não tomar uns puxões de orelha de vez em quando —, bradou a plenos pulmões:
— Eu vou voar! — E jogou-se.
Bam!
A pobre mãe escutou o baque e deixando o arroz no fogo, foi ver o que tinha  acontecido.
Por sorte, a árvore não chegava a dois metros e o máximo que Mauricio conseguiu, foram dez chineladas da mãe a caminho do posto médico e três belos pontos no queixo.

segunda-feira, 18 de maio de 2020




APOLO E DAFNE

 "Nos tempos que os deuses andavam sobre a Terra, que Ninfas brincavam pelas florestas, rios e mares, que Pan e seus sátiros dançavam ao som de sua flauta; gabava-se o deus Apolo diante de sua recente vitória contra a gigante serpente Píton, graças à sua exímia pontaria.
Tal deidade cantava com a própria lira seu feito e caiu na asneira de tripudiar sobre outro deus, que de pontaria, também não deixava nada a desejar..."
 Eros estava sob à sombra de uma macieira limpando suas setas, quando chega Apolo envaidecido e observa-o na sua absorta tarefa. Não podendo se controlar, achega-se ao deus do amor e fala-lhe com certo desdém:
— Por que estás a lidar com armas mortíferas, meu rapaz? Deixe esta tarefa para mãos mais dignas do que as vossas. Eros assusta-se. Estava por demais distraído para notar que Apolo havia se aproximado dele. Após recobrar-se da surpresa faz-lhe uma pergunta, no mesmo tom de deboche que o deus lhe dirigira:
— Acaso seriam mãos como as vossas, meu caro?!
— Por certo. Viste a vitória que com elas alcancei, com a grande serpente que estendia seu corpo peçonhento por toda planície?! Contenta-te com teus folguedos de juventude, meu jovem, mas não te atrevas a mexer com minhas armas, pois eu sou o deus da pontaria...
Eros o interrompe:
— E da poesia, da beleza, da medicina, profecia e blá, blá, blá... — Eros desandou a rir.
 Aquilo irrita deveras Apolo.
— Vil infame! Te atreves a rir de mim???
— Tu deverias ser o deus da comédia também — retruca o jovem na mesma hora.
— Ora seu...
— Ora seu, o quê? — Eros levanta a voz. — Apolo, tuas setas podem ferir e dar morte a todas as coisas, mas as minhas, podem ferir-te muito mais.
Assim dizendo, o deus do amor abre suas asas e alça voo aos céus. Planando sobre o outro, tira uma de suas flechas douradas da aljava às costas e a arruma em seu arco, disparando a seguir. Atinge Apolo, em cheio, no peito.
— O que fizeste comigo? — pergunta Apolo assustado.
Eros escuta umas risadas, vindas de um grupo de ninfas que brincavam às margens de um rio próximo.
— Em breve saberás — responde o deus alado cortando os céus em direção ao dito rio.
— Ei! Aonde vais? Volte aqui. Desfaças o que fizeste comigo, infame! Como te atreves a atingir-me desta maneira?
Imprudente, Apolo corre atrás do outro; fazendo exatamente o que Eros queria.
No rio estavam Dafne, filha do deus rio Peneu e suas amigas.
"Vejamos por quem irás se apaixonar, Apolo..."; pensa Eros sorrindo maliciosamente.
Apolo chega ao rio de sopetão e assusta as ninfas que lá estavam. As demais correram, mas Dafne custa a recuperar-se da surpresa e fica estática; sem ação. Nisso, os olhos de Apolo pousam sobre ela e ambos os olhares se cruzam. O verde oliva dos olhos da ninfa, arrebatam o coração do deus que, no mesmo instante, enche-se de paixão por ela.
Ao perceber isso, Eros pega outra seta às costas, diferente da outra; era escura e feita de chumbo e dispara contra Dafne. A ninfa foi tomada de grande aversão pelo homem que a olhava e vestindo-se depressa, desandou a correr pela relva em direção à floresta.
— Não! Espera! — implora Apolo vendo-a sumir de suas vistas.
Ele pensa em ir atrás, mas a risada de Eros chama sua atenção.
— Agora, Apolo, conhecerás o pior dos sofrimentos. Boa sorte com o seu amor... Hahahahaha!
Eros desaparece entre as nuvens.

Durante dias, Apolo procurou por Dafne, o amor em seu peito, o consumia como um cancro, provocando-lhe grande dor. Queria vê-la outra vez, mas não a encontrava em lugar algum.
Enquanto isso, Dafne não só pegou aversão pelo deus, como também pela ideia de um dia apaixonar-se por qualquer outro. Peneu, seu pai, não entendia o que estava acontecendo com ela. Queria que sua filha encontrasse um companheiro, tivesse filhos, contudo, toda vez que tocava nesse assunto com Dafne, ela se jogava aos seus pés e às lágrimas, implorava-lhe:
— Oh, meu pai, meu pai querido! Se amor me tens, concede-me esta graça: Faze com que eu não me case jamais!
Muito a contragosto e por amar demais sua filha, Peneu consente.

Durante esse tempo, Apolo arrastou suas correntes de penar por dias a fio. Sofria, chorava, lamentava-se por Dafne ter corrido dele e não tê-lo deixado falar nada com ela. Nem mesmo seu nome. Queria jurar-lhe amor eterno.
Que irônico! Ele que era o oráculo do mundo, previa o destino de vários mortais, não conseguira prever o seu próprio. Sua mente só vislumbrava o rosto da amada, com seus cabelos castanhos caindo molhados e desalinhados sobre os ombros. "Se são tão belos em desordem, como não o serão arranjados?", pensava apaixonado. Ao divagar em sua mente, o deus via seus olhos brilhantes como estrelas, sua boca perfeita, sua pele macia que desejava tanto tocar.
Voltava quase sempre ao mesmo lugar que encontrou-se com ela. Sabia agora de quem se tratava a dona do seu coração. Com essa preciosa informação, cogita até falar com Peneu e nesse dia, que encaminhava-se ao encontro do deus rio, vê Dafne; mas a bela, de pronto, corre outra vez.
— Não vá!!! — grita Apolo desesperado. — Por favor, Dafne, filha de Peneu! Conjuro-te! Ouve-me, ao menos, uma palavrinha!!!!
A bela ninfa não deu-lhe ouvidos. Apolo segue atrás dela, desta vez, não a perderia de vista. Não enquanto não lhe falasse dos seus sentimentos e pudesse unir-se a ela.
Aos tropeções e quedas, Dafne corre sem nem olhar para trás, enquanto o deus continua a gritar e implorar-lhe que parasse:
— Dafne! Por favor!!! Eu te amo! Me ouça, razão do meu penar! Deixe-me amá-la!
— Afasta-te de mim! Deixe-me em paz!!!! — implora a dama.
— Bela ninfa! — ele exclama. — Não sou teu inimigo! Não fujas de mim como a ovelha foge do lobo faminto, que a persegue para regalar-se com suas tenras carnes! É por amor que te persigo! Sofro de medo que, por minha culpa, te machuques ainda mais! Não sou um homem rude; Zeus é meu pai, sou o senhor de Delfos e conheço todas as coisas presentes e futuras! Sou Apolo, deus do canto e da lira, da pontaria, e minhas setas voam certeiras para o alvo. Também sou o deus da medicina, mas uma seta ainda mais fatal, acertou-me e amaldiçoou-me e não há nenhum bálsamo poderoso contra o seu veneno, apenas o teu amor poderá curar-me!
— Às favas, ó pertinente! Não me importa quem sejas! Eu não te amo, não quero amar!!!!!
Na perseguição insistente, as curtas pernas de Dafne começam a cansar e as fortes pernas de Apolo, logo superam a distância que os afastava.
Ao virar-se pela primeira vez para trás, a ninfa vê que o deus está cada vez mais perto.
— Oh, não!!! Não!!! Pai meu!!! Ajuda-me, Peneu!!!!! Imploro-vos a graça que a ti vos pedi!!!! Abre a terra para envolver-me, ou muda minha forma, que me são tão fatais!!!
Mal pronunciara essas palavras, um torpor toma seu corpo; seus pés fincam raízes no solo; seus braços bem torneados e belos, transformam-se em galhos e sua pele, torna-se rígida, rugosa e áspera. Cego de tanta paixão, Apolo a abraça e não percebendo a metamorfose, começa a beijá-la e então, sente a casca fria.
Ele para horrorizado e cai por terra. — Não! Não! Não! — grita revoltado. — Quando enfim serias minha, pego-me abraçado a uma árvore!!!!
Dafne havia se transformado num loureiro e para maior sofrimento do deus, a árvore ainda mantinha na aparência do seu tronco, as formas perfeitas de sua amada.
Apolo soca o chão até sangrar sua mão.
— Maldito Eros!!! Maldito! Maldito! Maldito!!!!
Ele abraça o loureiro uma última vez e as lágrimas caem abundantes de seus olhos. Mais calmo, o deus, ainda assim, faz suas juras de amor e proféticas ao mesmo tempo:
— Já que não podes ser minha esposa — fala o deus enxugando o rosto. — Serás a minha planta preferida, usarei suas folhas como coroa. Com elas, enfeitarei minha lira e minha aljava e quando os grandes imperadores sentarem em seus tronos e também à frente de seus cortejos triunfais, serás usada a cingir-lhes a cabeça. E, tão eternamente jovem quanto eu próprio, suas folhas serão sempre verdes e belas. Juro-te, meu amor...
Uma risada, que Apolo conhecia bem, corta-lhe as palavras:
— Então Apolo? Viu a que ponto chegaste com tua vaidade, com tua impáfia?! Ajoelhado pateticamente diante de uma árvore.
— Ah, Eros, Eros! Eu vos amaldiçoo: um dia provarás do teu próprio veneno.
O deus alado soltou outra gargalhada sonora.
— Ah, mas que medo! Isto é uma profecia?!
— Aguarde e verás.
— Impossível! Não sou tão incauto. Jamais me firo com minhas próprias flechas. Deixo-vos carpindo vossa dor; adeus.
Eros agita as asas e ganha os céus outra vez.
Apolo ainda permaneceu ajoelhado diante de Dafne, aos prantos; até que, por fim, após secar sua fonte de tantos dissabores, retomou o seu caminho para Delfos; mas guardou, dentro do seu coração a imagem do seu primeiro amor: a bela Ninfa Dafne.


FIM

terça-feira, 5 de maio de 2020

Fazendo Uma Nova Experiência como Escritora.

Humildes escritoras buscando seu lugar ao sol...

Olá Amigos!
Vou me apresentar: sou Paula Dunguel e pretendo usar este espaço para me permitir sonhar e me aventurar no universo do fantástico. Aqui a imaginação correrá solta, visando um compilamento de histórias diversas e místicas que irão do cotidiano ao passado, do passado ao futuro que se avizinha.
Um lugarzinho para chamar de meu e onde eu possa também compartilhar minhas experiências de escrita e ilustrações, visando um agradável entretenimento com todos que aqui vierem aventurarem-se junto comigo.
Bem-vindos aventureiros e colhedores de sonhos! ESTAREMOS JUNTOS.